16 de julho é um dia muito especial para nós paroquianos, pois o nosso querido pároco Pe. Maurício Abel completa mais um ano de vida. Para celebrarmos esta grande data teremos uma Missa neste domingo dia 17 no Centro Amarante às 17h. E como parte de nossa homenagem, confira uma entrevista que ele concedeu ao Jornal São Salvador!
Parabéns Pe. Maurício!
1. O senhor está celebrando 40 anos de Brasil. Que memória faz dessa caminhada?
Foi uma caminhada ao mesmo tempo dura e maravilhosa. Dura porque recebi uma paróquia pobre com tantos desafios sociais. A paróquia era extensa. A população alimentada pelo êxodo rural cresceu de maneira assustadora. A estrutura da paróquia era deficiente. Mas também maravilhosa porque encontrei um povo tão bom, achei colaboradores e colaboradoras porque a Divina Providência sempre me ajudou. Porque cresci tanto na fé, porque os pobres tanto me evangelizaram e me enriqueceram. Porque contrariamente o que diz o salmista: “colhi alguns frutos do que semeei”.
2. Quais foram as suas primeiras impressões do país e do povo brasileiro?
Já conhecia um pouco o Brasil e o povo brasileiro. Aqui passei alguns dias em 1965. No Colégio para a América Latina – Copal em Lovaina (Bélgica), convivi durante vários anos com seminaristas e sacerdotes brasileiros. Nos finais de semana ia com alguns futuros padres do Brasil realizar atividades pastorais numa paróquia onde também passávamos a Semana Santa inteira. Achei o Brasil um país fantástico. Um dos motivos era a mistura das raças, o que segundo os especialistas constituía uma grande riqueza, uma vez que cada raça traz um tesouro. Um diplomata belga que foi embaixador no Brasil me escrevia:” O Brasil, o país mais bonito e mais injusto do mundo”. Eu também pensava e declarava: ” Se não fosse a miséria, a desigualdade e a injustiça, o Brasil seria para retomar os termos do saudoso Dom Juarez: “ Um pedaço do céu”. Várias vezes encontrei pessoas especialmente os jovens que terminavam uma volta do mundo. Quando eu perguntava: “ Qual o país do qual você mais gostou” a resposta era sempre a mesma: “ O Brasil”. Fiquei realmente fascinado pelo povo brasileiro: por sua fé contagiosa e vivida em respeito humano, por sua alegria, sua delicadeza, sua hospitalidade, seu acolhimento, sua facilidade em comunicar, seus dons artísticos, sua capacidade de sofrer e de lutar...
Quando regressei no Colégio para a América Latina, devíamos optar por uma língua: espanhol ou português. Como meu irmão sacerdote João, que me precedeu no referido colégio, tinha escolhido o português, porque havia muitos pedidos de Bispos brasileiros, fiz a mesma opção. Nunca me arrependi, muito pelo contrário! Que alegria viver e trabalhar no Brasil, uma vez que Deus é... Brasileiro. Uma das provas da “nacionalidade” de Deus é que Ele tanto gosta de fazer surpresas. Quando cheguei ao Brasil, em plena ditadura militar, a gente podia ler atrás de alguns veículos:” O Brasil: ame-o ou deixe-o” Vocês sabem agora porque nunca deixei o Brasil. Amo o Brasil e povo brasileiro. A América Latina recebeu 02 graças preciosas: 1ª - o amor pela Palavra de Deus: que alegria e que riqueza meditar a Bíblia com os pobres. 2ª - o amor pela Virgem Maria.
3.Poucos meses depois que chegou ao Brasil o senhor assumiu a paróquia São Gonçalo do retiro. Como foi assumir esta missão? Que lembranças o senhor tem dessa época?
A minha primeira destinação era Ribeirão Preto, onde o Bispo era o Cardeal Dom Ângelo Rossi. Mas, logo a coisa mudou de rumo. Seguindo a sugestão de Dom Karl Romer que acabava de fundar o Instituto de Teologia, Dom Eugênio Sales nos convidou meu irmão e eu para sermos professores. Durante uma visita a minha família, o Cardeal me disse: “Maurício, você será professor, mas também receberá uma paróquia”. E acrescentava como argumento: “Porque não quero pensadores entre quatro paredes”. Isto me agradava muito, porque sempre gostei do trabalho pastoral, na base com o povo. Aliás, este contato direto e concreto com a pastoral fecundou muito o meu ensinamento e vice e versa.
Cheguei ao Rio, onde fiquei 01 mês para resolver o problema das bagagens. Enquanto Armstrong pisava na lua, eu pisava no Brasil. (A cada um sua escolha). No sábado 26 de julho de 1969, festa de Senhora Sant’Ana, estava em Salvador. Quando entrei na residência do Cardeal, encontrei um Padre francês Camilo Rolland , que se apresentou como “pároco de São Gonçalo do Retiro”. Alguns dias depois ele era expulso pelo regime militar. (Ainda vive, mas nunca voltou para o Brasil). Não demorou para Dom Eugênio me chamar e me perguntar se aceitava assumir a sucessão. Sem saber absolutamente nada sobre a paróquia em questão, aceitei imediatamente. Nunca me arrependi, muito pelo contrário. A primeira pessoa que me levou para a paróquia foi Dom José Cornélis – Vigário Geral de Salvador e futuro primeiro Bispo de Alagoinhas. Assim eu soube que antes de sua criação em 1966, a paróquia pertencia a São Judas Tadeu, onde Monsenhor Sadoc, que acabava de ser nomeado Vigário Geral e Pároco da Vitória, fez um trabalho maravilhoso. Depois entendi porque Monsenhor Sadoc era tão conhecido e venerado na paróquia de São Gonçalo do Retiro. É por isso que tantas vezes ele com sua conhecida eloqüência, pregou na festa do Padroeiro.
Tomei posse numa pequena Igreja de taipa, na presença de Monsenhor Aníbal Malta. Ele estranhou porque eu não tinha batina, mas mesmo assim considerou a posse como válida. Sou muito feliz de ser pároco de São Gonçalo do Retiro desde 40 anos, um número muito simbólico na Bíblia, uma vez que o povo de Deus caminhou no deserto durante 40 anos, rumo a Terra prometida e uma vez que Jesus jejuou durante 40 dias no deserto.
Ser pároco de São Gonçalo é uma das maiores graças que recebi na minha vida, após as graças do Santo Batismo, da Crisma e do Sacerdócio ministerial. É uma grande felicidade para mim trabalhar como sacerdote missionário na América Latina, no Brasil, no Nordeste, na Bahia, na Diocese de São Salvador da Bahia, em São Gonçalo, sob o pastoreio de Dom Geraldo.Deus sempre nos atende além dos nossos pedidos e desejos.
4. Há 40 anos o senhor está no São Gonçalo do Retiro. Como percebeu o crescimento do bairro? Quais os desafios do tempo em que chegou e os atuais?
“Logo depois de tomar posse na paróquia, visitei a mesma com Dom Eugênio o qual na ocasião, me fez uma afirmação que mais tarde revelou profética:” Maurício, a sua paróquia deverá crescer muito nos próximos anos, porque ela é situada entre de um lado a BR 324, e do outro lado, a futura Paralela”. É o que hoje chamamos de” miolo da cidade”. E de fato, não demorou para a profecia se realizar. O crescimento aconteceu em dois níveis. O primeiro foi a multiplicação espantosa das invasões, uma delas em plena noite de Natal.O segundo foi a edificação pela URBIS e pelo INOCOOP , de numerosos conjuntos habitacionais que surgiram como cogumelos.Os desafios maiores foram acolher esta multidão de gente e acompanhar pastoralmente este crescimento vertiginoso. Hoje os maiores desafios são concretizar a opção preferencial pelos pobres, formar o povo sempre mais missionário e assegurar a formação das inúmeras pessoas que assumem alguma responsabilidade.
5. Que marcas o senhor percebe nesta caminhada? Que ações pastorais o senhor destaca nestes 40 anos no São Gonçalo do Retiro?
Desde o início damos a prioridade à evangelização, quer dizer ao anúncio explícito de Jesus Cristo e do Evangelho. Mas uma evangelização autêntica e completa deve necessariamente provocar iniciativas concretas e corajosas no plano social e da luta pela justiça. Senão ela é alienante. Na Europa, às vezes, o Evangelho é edulcorado, sem sal, perde toda a sua força explosiva e não transforma mais a vida das pessoas ou da sociedade. É uma traição. É muito importante para o trabalho pastoral que tenhamos uma visão clara do papel específico da Igreja, que saibamos o que queremos e para onde vamos, que saibamos por onde começar e estabeleçamos prioridades. Na nossa paróquia, seguimos as prioridades estabelecidas pela a Arquidiocese. A respeito dos 40 anos de caminhada, quero apontar algumas linhas que para nós são essenciais:
- Uma pastoral profundamente bíblica: grupos bíblicos de evangelização nas casas, cursos bíblicos...
- Uma pastoral profundamente vocacional, para suprir as lacunas das famílias e da sociedade neste ponto.
- Criação e fortalecimento de Comunidades Eclesiais de Base, com a mobilização geral dos leigos e uma real diversificação dos ministérios.
- Uma pastoral familiar eficaz.
- Uma pastoral altamente missionária, inclusive para atingir os homens e dar - lhes verdadeiras responsabilidades.
- Uma pastoral alegre, cheia de entusiasmo e de dinamismo.
6. Em 1969 o país vivia o Golpe Militar. Como foi desenvolver o trabalho neste período, sobretudo implantando as comunidades eclesiais de base?
Como já disse o meu predecessor foi expulso pelos militares. Durante a ditadura militar devíamos ser “prudentes como as serpentes” (Mt, 10, 16) e, sobretudo conscientizar o povo , à luz do Santo Evangelho sobre temas como democracia, liberdade, igualdade, violência, justiça...
7. O senhor é estrangeiro. Depois de 40 anos na Bahia, que identidade do povo baiano assumiu para si?
Não acho muito feliz a palavra “estrangeiro”. Prefiro falar em “não brasileiros”, quer dizer, em pessoas que não nasceram no Brasil. Em 40 anos fui contagiado principalmente pela fé e pela alegria do povo brasileiro e particularmente do povo baiano.
8.Em agosto celebramos o mês vocacional. Como foi que o senhor percebeu a sua vocação? Foi difícil responder ao chamado?
A história da minha vocação é bastante simples e clássica. A minha vocação nasceu na minha família que era muito católica: todos os dias os membros rezavam juntos o que era mais fácil do que hoje, uma vez que não havia televisão, internet, etc; meditávamos a Palavra de Deus, participávamos todos os dias da Santa Missa e do Terço; fui coroinha durante muitos anos; tinha um tio Jesuíta; ninguém falava mal de nenhum padre, pelo contrário, sempre fui impressionado pelo respeito, pela quase veneração dos meus pais pelos sacerdotes, sem falar do testemunho de tantos padres que conheci e que me orientaram durante os meus estudos e minha formação em estabelecimentos católicos onde já assumia compromissos apostólicos, inclusive durante as férias.Alguém me perguntou, quando eu tinha 08 anos: “O que você vai ser mais tarde?” Sem “duvidar”, 01 segundo respondi: “Serei Padre” E acrescentei:” Padre e missionário”.
9. A Igreja está vivenciando o Ano Sacerdotal. Como o senhor também trabalhou como professore de Teologia, como percebe a formação dos novos sacerdotes?
Aproveitei ao máximo dos meus estudos para estudar, ler, pesquisar, aprofundar temas que escolhia livre e espontaneamente, sem pressão, nem obrigação. Tinha uma grande curiosidade intelectual, queria aprender e não perder 01 minuto. Ensinei a Teologia Bíblica durante 10 anos no Instituto de Teologia da Universidade Católica, assim como no ISPAC (Instituto Superior de Pastoral Catequética), freqüentado por pessoas do Brasil inteiro. Nem sempre encontrei nos alunos o interesse que esperava. Para que possamos aprender, temos que alimentar a sede do saber.A formação dos seminaristas, diáconos e sacerdotes deve ser sólida, permanente e em contato constante com a realidade tão desafiadora que nos cerca.Espero que o Ano Sacerdotal incentive as vocações e a pastoral vocacional. A nossa paróquia conta, desde 38 anos com um Clube Vocacional que focaliza todas as vocações com o Grupo dos Caminhantes focaliza a vocação sacerdotal e com o grupo atualmente das Filhas de Stº Agostinho que focaliza a vocação religiosa. Em 40 anos, 15 jovens da nossa paróquia foram ordenados sacerdotes, sem falar dos Diáconos permanentes, das Religiosas e dos inúmeros leigos e leigas. Tenho a convicção de que as vocações não faltam, mas muitas morrem por falta de apoio e de orientações.
10. Deixe uma mensagem para os fiéis animando-os a viverem a sua vocação em Cristo.
Dou graças a Deus por ser Padre. Nunca me arrependi de ser Padre. Não quero trocar minha vocação com nada e com ninguém. Se eu tivesse 1.000 vidas, pediria a Deus para ser 1.000 vezes Sacerdote. Como escrevia o Papa João Paulo II, quando Dom Avelar Brandão Vilela celebrava seus 50 anos de Sacerdócio ministerial: “Não existe entre os homens outra dignidade tão sublime quanto o sacerdócio e o episcopado, assim como não há maior altura que a do cipreste” (1º de outubro de 1985).
Na ocasião dos casamentos quando se trata de noivos católicos praticantes e engajados, eu pergunto se eles aceitariam ter um filho sacerdote e podemos rezar por esta intenção. A resposta é quase sempre positiva: “Se for da vontade de Deus”. Rezem pelas vocações, peçam a graça de um filho sacerdote. Não tenham medo! Vivam intensamente a sua vocação.
Como e com o Salmista, eu rezo: “O Senhor é a minha parte da herança e meu cálice. Nas tuas mãos a minha porção. Para mim a sorte caiu em lugares deliciosos, maravilhosa é minha herança” (Salmo 15 ou 16).
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